O INVENTÁRIO DAS COISAS PERDIDAS
A meu avô aquele dia o vi diferente.
Tinha o olhar enfocado ao longe.
Quase ausente.
Penso agora que talvez pressentisse que era o último dia de sua vida.
Me aproximei e disse: "Bom dia avô!"
E ele estendeu a sua mão em silêncio.
Me sentei junto ao seu sofá e depois de uns instantes um tanto misteriosos, exclamou:
- "Hoje é dia de inventário, filho!"
"Inventário?" Perguntei surpreso.
Sim. Inventário de tantas coisas perdidas!
Sempre tive desejos de fazer muitas coisas que nunca fiz, por não ter vontade suficiente para sobrepor-me a minha preguiça.
Lembro também daquela menina que amei em silêncio por tantos anos, até que um dia foi embora do povoado sem eu saber.
Também estive a ponto de estudar engenharia, mas não me atrevi.
Lembro de tantos momentos em que fiz mal aos outros por não ter a coragem necessária para falar, para dizer o que pensava.
E outras vezes em que a valentia me faltou para ser leal.
Foram poucas as vezes que tenho dito para sua avó que a amo, e que a amo com loucura.
Tantas coisas não concluídas, tantos amores não declarados, tantas oportunidades perdidas!"
Logo, com certa alegria em seu rosto, continuou: - "Sabes o que tenho descoberto nestes dias?
Sabes qual é o pecado mais grave na vida de um homem?"
A pergunta me surpreendeu e só atinei em dizer, com certa insegurança:
- "Não tenho pensado nisso ainda, mas suponho que seja matar a outros seres humanos, odiar ao próximo e desejar-lhe mal...".
Me olhou com afeto e me disse:
- "Penso que o pecado mais grave na vida do ser humano é o pecado da omissão.
E o mais doloroso é descobrir as coisas perdidas sem ter tempo de encontrá-las e recuperá-las."
No dia seguinte voltei cedo para casa, depois do enterro do meu avô para fazer com calma o meu próprio "inventário" das coisas perdidas, das coisas não ditas, do afeto não manifestado.
autor desconhecido.
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